Ao longo desses anos trabalhando com escrita, li uma quantidade razoável de textos que prometiam ensinar ou, pelo menos, aprimorar o ofício de contar histórias. De tratados filosóficos de 2500 anos, como a Poética de Aristóteles, até manuais de autoajuda para escritores desiludidos. Alguns conselhos quase sempre se repetem. Recomenda-se escrever sobre o que se conhece. Que uma história deve ter uma ação principal clara, conflitos, pontos de virada e catarses cheias de significados. Um personagem deve ser definido por suas ações, ter suas intenções atrapalhadas por obstáculos, descobrir que o que ele quer não é o mesmo que ele precisa. E, ao final, transformar-se.
Essas leituras trazem algumas desvantagens, como uma perda inevitável de espontaneidade, um risco de padronização, uma sensação de que você está tentando aprender a jogar futebol, decorando cada uma das regras do esporte. Mas há, claro, vantagens, amplamente divulgadas nas orelhas de cada manual de roteiro. Compreender melhor o funcionamento e as normas do seu ofício. Descobrir os caminhos consagrados, com seus atalhos e pontos de fugas. Entender a narrativa como um tipo de trabalho, uma habilidade em constante desenvolvimento. Você sempre pode aprender a contar melhor uma história.
Desde os primeiros meses como pai, passei a ler histórias para a minha filha. Normalmente, escolho livros voltados para crianças um pouco mais velhas. Agora, por exemplo, acabamos de começar “Crime Castigo” e... Brincadeira. Mas Marina, em geral, se interessa mais por livros com enredos do que os que teoricamente estariam destinados a sua faixa etária (livrinhos de pano ou borracha compostos por ilustrações acompanhadas de descrições simples, de bichos da fazenda “essa é a vaca”, criaturas marinhas “esse é o polvo”, dinossauros “esse é o velociraptor”...) Seus favoritos são: “Gildo” e “Cachorros não dançam balé”, recomendados para crianças entre 4 e 8 anos.
Tal preferência é, para mim, um mistério, já que, aos dez meses, não é esperado que ela compreenda tramas, ou mesmo as palavras que formam uma história. Ainda assim, enquanto viro as páginas e pronuncio as frases com diferentes entonações de voz, seus olhinhos acompanham tudo com atenção, ela emite ruídos, bate palmas, e, de vez em quando, aponta as figuras. Como será que isso é possível? O que um bebê entende, quando escuta uma história?
“Cachorros não dançam balé”, da americana Anna Kemp conta a saga de Filé, um simpático pug que sonha em brilhar nos palcos com a bela arte dos pliés e piruettes. O livrinho tem vários personagens, como uma menina solidária, um pai distraído, uma professora pernóstica, uma velha perdida na plateia. Um prato cheio para pais que fizeram teatro na adolescência.
A cada leitura, Marina parece perceber algo diferente. As vezes gosta de apontar a menina, em outras prefere o protagonista, Filé. Ou decide ignorar Filé, quando sua presença é evidente, mas nas páginas em que ele aparece disfarçado, escondido atrás de um jornal ou de uma mala, ela observa por um longo tempo, com a sobrancelha franzida de concentração até encontrar o cãozinho e explodir de alegria. Há também momentos em que ela presta atenção em detalhes aleatórios, como os instrumentos musicais, ou uma bolsa que se repete em algumas cenas. Um gato preto que surge em uma breve figuração é apontado todas as vezes, talvez por associação com a gata da família, a longeva Ivi Brussel. Ela também gosta de folhear as páginas, sem que eu diga nada, apenas admirar formas e cores, em ordens variadas. Ou o contrário, eu digo as falas longe do livro e ela abre um sorriso e começa a divagar com os olhos, talvez reconstituindo as cenas na sua imaginação.
Os manuais de narrativa, em geral, se concentram na forma, na identificação de estruturas que se parecem, em mostrar como as diferentes histórias podem ser a mesma coisa. Marina faz o contrário. Enquanto acompanha uma trama, sem entender suas frases, ela revela como uma mesma história pode ser uma infinidade de coisas diferentes. A cada dia com meu bebê aprendo que contar uma história não envolve apenas enredo, personagens e conflitos. É também uma sucessão de cores, formas e entonações. Um jogo livre de descobertas que se renovam. É tudo o que existe além das palavras. Um bater de palmas, um sorriso de espanto, um gritinho, uma irresistível sobrancelha franzida de concentração.
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