quarta-feira, 12 de junho de 2024

AINDA UM BLOG?

 


Blogs e fitas cassete têm muita coisa em comum. São mídias esmagadas pela importância de outras maiores, do passado ou do futuro. Uma cassete não possui aquela seriedade bela dos objetos de museu que você encontra em um disco de vinil. Também não é imaterial, ilimitada e gratuita (ou quase gratuita) como a música que chega através da internet.  Um blog não é um livro. Um blog não é um tuíte (tudo bem, nem um tuíte é mais um tuíte). Enfim, são dilemas parecidos.

Elos perdidos, em geral, são formas embrionárias, que antecipam os desejos e as necessidades do futuro, sem atendê-los por completo. A fita cassete trazia uma música mais barata e que ocupava menos espaço, mas sua maior inovação era abrir uma possibilidade para a interação. Com uma fita virgem, era possível gravar músicas de diferentes discos ou CDs. Com a adição de um microfone, registrava-se a própria voz.  As fronteiras se apagavam, o amador e o profissional se misturavam no mesmo espaço.  Uma canção dos Beatles, o ronco do seu tio, Beethoven, um papagaio assobiando, Cartola, o que você pensa sobre a vida. De alguma forma, o impulso que levaria os nascidos no final do século XX a povoar o Youtube e os do início do século XXI a serem estrelas do Tik Tok já estava lá.   Só que com menos testemunhas.

Os blogs foram os primeiros sinais bem-sucedidos da cultura do eu que marca a Internet (e todo o resto da sociedade) até hoje. A ideia de um diário aberto para o mundo, tinha de nova o que tinha de simples. Seria a democratização da escrita, a quebra da hierarquia entre as opiniões, um veículo para a partilha de sentimentos, a válvula de escape para uma necessidade coletiva de expressão individual. Como tudo isso desembocou em correntes reacionárias no whatssapp, discussões sanguinárias no facebook e reality shows personalizados no instagram, não tenho a menor ideia.

Com a ascensão das redes sociais, os blogs perderam a importância. O novo formato, com seus likes, comentários e linhas do tempo, era bem mais eficaz em alimentar a ilusão de ser ouvido naqueles que tinham tanta urgência para dizer alguma coisa. Os que permaneceram, foram absorvidos pelas mídias anteriores. Passaram a escrever para sites, portais, a integrar a versão digital de jornais e revistas. O blog independente, individual se tornou um anacronismo, quase romântico. Algo deslocado de função, cuja existência é difícil de explicar, como as fitas cassete esquecidas em uma estante.

Ou essa pode ser apenas uma parte da história.  Há quem diga que os elos perdidos não carregam algo que desapareça com a sua extinção. Como as caudas da última vértebra, que somem nos embriões humanos. Os blogs podem ser ainda o espaço ideal para os formatos e as intenções de alguns textos. Efêmeros demais para os livros, lentos demais para as redes sociais. A janela perfeita para o voo curto de uma crônica. Ou para uma opinião, que quer parecer mencionada num bar e não proferida com alto falante em praça pública.  Um blog pode ter a medida exata da despretensão para uma história de viagem, a descrição de uma cena na rua do Catete, o comentário dos efeitos de um filme, um livro ou um jogo do Botafogo, o relato da maneira sutil que a minha mulher tem de me mandar parar de tagarelar, segundos antes dela adormecer?

Talvez não. Quem sabe, eu só quero relaxar após o expediente, com as fitas cassetes que moram na minha estante, como o japonês de meia idade do último filme do Win Wenders?




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